Confira os vídeos da série

Crítica Fundamental


Neste espaço (Crítica Fundamental) são colocadas as criticas relativas à Cia. Crônica de Teatro (sem exceção, negativas e positivas) e seus trabalhos. Não só da mídia, mas também de colaboradores, publico e quem se interessar em nos escrever.
Caso queira dar sua opinião sobre algum trabalho da Cia. Crônica é só enviar para o e-mail (ciacronicadeteatro@gmail.com).
Nas postagens de comentários deixados pelo publico após as apresentações, os nomes não são divulgados para preservar a integridade e a segurança.




Comentários do publico - Apresentações dos dias 15 e 16 de janeiro - Regional Barreiro em Belo Horizonte. - CLIQUE AQUI



CRÍTICA DE REINALDO MAIA

Critica feita por Reinaldo Maia no ano de 2008 quando participou do projeto Grupos em Trama, onde vários grupos se apresentavam e abriam o processo de trabalho para debates. Na ocasião foi apresentado o espetáculo O Canto da Hora Amarga com Jessé Duarte no elenco, texto de Rogério Coelho e direção de Carlos Henrique.



O espetáculo – “O Canto da Hora Amarga” -  foi o segundo a se apresentar, também, no Galpão Trama. Na sinopse lemos:

“O Canto da Hora Amarga põe em cena a tragédia do absurdo: a morte proibida. O enredo traduz o cotidiano de um artista de rua que desafia a morte numa cidade onde é terminantemente proibido morrer”.

Na conversa após o espetáculo ficamos sabendo que o assunto do espetáculo foi tirado de uma notícia de jornal que falava sobre uma pequena cidade do interior do Estado de São Paulo em que o prefeito havia proibido as pessoas de morrerem por encontrar o cemitério local lotado. O absurdo da notícia é negação até do direito de morrer ao cidadão. E como se define a companhia:

“O trabalho da companhia tem por base os fundamentos de trocas e intercâmbio propostos pelo trabalho de grupo. Seguindo a linha de teatro Brechitiniano, a companhia atua na periferia das cidades de Belo Horizonte e Contagem. (...)”.

Em sua apresentação o grupo não esconde os seus pressupostos teóricos e políticos, ao se filiar a um teatro fundado nas reflexões de Bertolt Brecht. Essa filiação já faz com que entendamos o trabalho como pretendendo intervir no seu ambiente de atuação e, com isso, corresponder a sua época. Por outro lado, de alguma maneira se coloca na contramão do teatro que se entende apenas como entretenimento. Um teatro que pretende ser diversão e conhecimento, que pretende romper com as fronteiras do que se define como erudito e popular. Não se vê como mercadoria e não vê o público como consumidor, mas sim como cidadão.

De alguma maneira é isso o que sentimos ao assistir o espetáculo. Na cena três atores que interpretam, tocam e cantam. A narrativa do espetáculo não é linear. Usa os procedimentos do teatro épico e não se envergonha de misturar no palco procedimentos retirados da arte popular, assim como técnicas conhecidas através do estudo. A música não existe como trilha sonora, mas interage com os personagens comentando e pontuando a história. O que vemos em cena não é a notícia de jornal, na qual se basearam para construir o espetáculo, mas a constituição de uma fábula/rito onde a morte é motivo para se falar da vida que nos é negada pelo sistema econômico e político em que vivemos. Como diz Bakthin:
“No realismo grotesco, o elemento material e corporal é um princípio profundamente positivo, que nem aparece sob uma forma egoísta, nem separado dos demais aspectos da vida. O princípio material e corporal é percebido como universal e popular, e como tal opõe-se a toda separação das raízes materiais e corporais do mundo, a todo isolamento e confinamento em si mesmo, a todo caráter ideal abstrato, a toda pretensão de significação destacada e independente da terra e do corpo. O corpo e a vida corporal adquirem simultaneamente um caráter cósmico e universal; não se trata do corpo e da fisiologia no sentido restrito e determinado que têm em nossa época; ainda não estão completamente singularizados nem separados do resto do mundo. (...) O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, isto é, a transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato”.[1]  

O seu espetáculo poderia se dizer esta dentro desse imaginário mágico popular ou deste universo onde se recria a própria realidade para melhor entendê-la aos modos de um Guimarães Rosa ou Garcia Marques. E a junção deste popular e deste erudito se dá pela própria composição do grupo onde misturam participantes que vem dos estratos mais populares da população, sem outra formação escolar senão aquela dada para sobreviverem como exército de reserva de mão de obra, com a superação da sua condição social e a aquisição de conhecimentos e de acesso à cultura “erudita” propiciado pela formação universitária. Mas independente dessas diferenças todos querem o mesmo objetivo: fazer teatro na periferia, para a gente de seu local de residência e de origem. Aqui forma e conteúdo encontram o equilíbrio da obra que supera os limites de sua particularidade para se tornar universal.

Reinaldo Maia
Maio 2008





[1] Mikhail Bakhthin, “Cultura popular Na Idade Média e no Renascimento”, editora Hucitec, 5 edição, 2002, São Paulo, Pg. 17
Fotos de Kaká Pimentta